o suicídio da fotocopiadora - microcontos de abalar



O último ímpeto destravou a fotocopiadora que iniciou uma rolagem pelo pavimento brilhante e o deus das coisas mecânicas fez com que uma das pequenas rodas bloqueasse no ângulo exacto para permitir que a máquina descrevesse uma curva apertada que a lançou escadaria abaixo. No patamar inferior ameaçou a jovem ama e as duas crianças que se divertiam no jardim -baloiçando os petizes impulsionados pela rapariga, motivo constante nos azulejos oitocentistas que forram as paredes dos dois andares - ao fazer-lhes uma tangente; mas a máquina copista continuou e galgou o último lanço da escadaria precipitando-se finalmente na rua, onde capotou saltando-lhe a tampa e as gavetas cheias de folhas que se espalharam por ali, umas imaculadamente brancas e outras com uma face já impressa onde se via um cu e uma púbis feminina esborrachados contra o vidro da fotocopiadora. Os poucos transeuntes da antemanhã acharam estranho o incidente mas não disseram nada, absolutamente nada.

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